Você não Consegue Viver Sozinho!

 

Os Perigos da Dependência Emocional  

“Eu não sou bom o suficiente para ser amado”, “se eu disser NÃO eles não vão gostar mais de mim”, “eu não consigo tomar uma decisão sem a opinião de outra pessoa” “eu não consigo viver sozinho”. Esses e outros pensamentos são comuns para um Dependente Emocional e muito provavelmente você deve conhecer alguém assim, que se desespera e acha que o fim de um relacionamento irá acabar com a sua vida, que não consegue escolher qual a melhor roupa para sair sem saber a opinião de outra pessoa e que nunca diz “não” para elas, mesmo que isso a deixe muito mal. Pessoas assim são popularmente conhecidas como dependentes emocionais e o nome já é autoexplicativo, a questão não é necessariamente financeira e muito menos profissional, mas são pessoas que estão presas a outras pessoas sem nenhum motivo aparente. O assunto tem se tornado cada vez mais popular, mas ainda precisa ser entendido e discutido de outra perspectiva, já que se configura como um Transtorno que pode trazer serias consequências.

Para entender de fato esse problema, em 2016 alguns estudos sobre o assunto foram analisados pelas autoras Weschsler e Muglia que concluíram que a dependência emocional pode ser caracterizada como um transtorno no qual uma pessoa necessita do outro para se manter equilibrada emocionalmente. O Transtorno de Personalidade Dependente é então definido como um padrão de comportamento submisso e aderente, relacionado a uma necessidade excessiva de proteção, atenção e cuidados, que surgem da percepção de si como sendo incapaz de funcionar adequadamente sem a ajuda de outras pessoas.

É um tipo de dependência com base no amor, no entanto com um fundo patológico, onde o dependente transfere para o outro a sua fonte de felicidade, só conseguindo ser “feliz” se determinada pessoa estiver ao seu lado. Os mecanismos neurológicos envolvidos nas relações amorosas utilizam as mesmas vias neurais que substancias psicoativas, ativando o sistema de recompensa do cérebro e criando um tipo de dependência muito semelhante. Ou seja, se engana quem acredita que o nosso organismo se torna dependente apenas de determinados tipos de substancias, mas é totalmente possível e comum que nós também nos tornemos dependentes de sentimentos e relacionamentos interpessoais. A origem do transtorno está relacionada ao desenvolvimento do apego na infância, associado a fatores culturais e filogenético, definidos por Moral e Sirvent (2008) como um padrão crônico de demandas afetivas insatisfeitas, que buscam ser atendidas através de relacionamentos interpessoais que geram um apego patológico. Resumidamente o apego emocional aprendido na infância é reproduzido na fase adulta.

Considerando que os mecanismos neurológicos ativados na dependência são os mesmos ativados no consumo de substâncias psicoativas, comportamentos comuns encontrados no perfil dos dependentes emocionais foram: submissão ao outro, sinais de fissura e abstinência na ausência do objeto amado, não conseguir tomar decisões no relacionamento, medo da solidão, baixa tolerância a frustração, desejo de auto destruição e pensamentos negativos sobre si, sensação de estar preso no relacionamento e que jamais conseguira deixa-lo, conflito de identidade, foco excessivo no outro e consequente autonegligência, assumindo a responsabilidade em lidar com os problemas do parceiro etc. Pessoas com esse transtorno tem ainda muita dificuldade de tomar decisões sem uma grande quantidade de conselhos de terceiros, geralmente são passivos e permitem que outras pessoas tomem inciativas e assumam a responsabilidade por pontos significativos da sua vida, impedindo que estas desenvolvam habilidades para um funcionamento independente. Tem muito medo de perder o apoio ou não serem aprovadas e por isso apresentam dificuldade em descordar de outras pessoas ou negar algum pedido, principalmente das pessoas das quais são dependentes e por isso acabam se oferecendo para realizarem atividades que consideram extremamente desagradáveis, inclusive tolerar abuso verbal, físico ou sexual.

A pessoa com esse transtorno cria muitas expectativas, quase sempre irreais e isso a faz se sentir quase sempre triste e abandonada, o que pode desencadear comportamentos possessivos, não permitindo que o/a companheiro(a) exerça sua individualidade e estabeleça relações fora do relacionamento. Esse comportamento possessivo, associado ao medo do abandono, ciúmes e impulsividade, tornam o Transtorno de Personalidade Dependente um fator de risco para a violência doméstica, havendo evidencias de que homens dependentes emocionalmente de suas parceiras tendem a desempenhar com maior frequência o papel de abusadores, enquanto que mulheres dependentes tendem a serem vítimas de seus parceiros. A violência por parte do abusador acontece quando esse percebe algum perigo, real ou imaginário para a relação, enquanto que para a vítima, a dificuldade de sair da relação de abuso acontece pelo medo de ficar sozinha e a sensação estar presa a relação. O fator cultural ganha destaque nesse ponto, sendo necessário considerar o fato de que a mídia reforça constantemente o amor idealizado, com características obsessivas e de dependência exagerada do objeto amado. E que a nossa sociedade historicamente associa a felicidade da mulher ao casamento com um homem e a submissão a este e que o homem precisa se casar com uma mulher por necessitar de cuidados de que só ela pode oferecer, reforçando a ideia de que as relações de dependência patológica são “normais”, levando as pessoas a viverem uma relação falida e em muitos casos violenta por muitos anos ou até mesmo pela vida toda. Mas não confundam as coisas, não podemos associar o transtorno apenas a fatores culturais, há também influencias de fatores neurológicos e psicológicos, que interagem entre si e levam o indivíduo a desenvolver relações patológicas. Os dependentes emocionais não são muito seletivos na busca por parceiros, se tornando comum que estes se relacionem com sujeitos de forte autoestima, muitas vezes acima da média, acreditando que este será o seu salvador, por ter tudo que lhe falta, principalmente o amor próprio. Porém esses companheiros geralmente tendem a ser exploradores e perpetuam a ideia de que o dependente deverá de fato fazer de tudo para agrada-lo ou será realmente abandonado.

Outras crenças básicas observadas em indivíduos com Transtorno de Personalidade Dependente que também são muito comuns e precisam ser consideradas são: “eu não consigo sobreviver sem alguém que tome conta de mim”, “Eu não consigo enfrentar os problemas da vida sozinho”, “ se eu for independente vou ficar isolado e sozinho” e “independência significa estar completamente sozinho”. Apresentando distorções cognitivas do tipo “tudo ou nada”, acreditando que ou alguém é totalmente sozinho e independente ou se é totalmente indefeso e dependente; ou estão totalmente certos ou totalmente errados; o que levam a pensamentos catastróficos, desenvolvendo preocupações para além do normal.

Embora temos a tendência de olhar o Transtorno de Personalidade Dependente dentro dos relacionamentos amorosos, precisamos considerar que o problema também existe nas relações entre pais e filhos e até mesmo amizades. Agora você pode estar se perguntando: Mas qual o problema de depender emocionalmente dos meus pais? Ou dos meus irmãos? Ou até mesmo da minha esposa? Já que é tão bom tê-los sempre juntos comigo. Lembrem-se, estamos falando de dependência enquanto um transtorno e não do simples fato de que eu amo passar um dia sozinho com alguém próximo a mim. Em primeiro lugar o mal desse tipo de relação habita no fato de que, por vários motivos, nem sempre essa pessoa poderá estar ao nosso lado, seja por interesse pessoal ou fatalidades naturais inerentes a condição humana. Em segundo lugar, é comum que esse transtorno esteja associado a depressão, transtornos alimentares e transtornos ansiosos, aumentando significativamente as chances de o indivíduo cometer suicídio ou para suicídio (ocorre como tentativa de impedir o abandono por parte do parceiro). 

Compreendendo assim a gravidade desse tipo de transtorno, é importante destacar que este pode ser prevenido, já que para que uma pessoa consiga se desenvolver e estabelecer relações saudáveis na vida adulta é necessário que a criança cresça em um ambiente seguro e afetuoso, uma vez que, como já pontuado anteriormente, a forma como nos apegamos na fase adulta, está diretamente relacionada com a forma como aprendemos a nos apegar na infância. Nas pesquisas não foram evidenciadas a prevalência da dependência emocional na população geral e nem em relação ao gênero, no entanto alguns autores encontraram dados que confirmam que a dependência emocional tende a ser mais acentuada nas mulheres, enquanto outros encontraram dados em que os homens tendem a ser mais dependentes e outros não encontraram relação significativa entre gênero e dependência, o que impossibilita extrair conclusões generalizadas sobre o assunto. Porém é consenso em todos os estudos que o melhor caminho para o tratamento da Dependência Emocional é a Psicoterapia Individual, e mesmo que você tenha alguém próximo e de confiança que te ajude a enxergar o problema, ainda assim, é fundamental procurar um Psicólogo, já que geralmente o transtorno está relacionado a autoestima baixa, depressão e ansiedade, além disso o profissional vai te ajudar a desenvolver mecanismos para que não haja novos ciclos de dependência ou recaídas, inclusive com relacionamentos amorosos falidos, já que é muito comum o fato de que ao terminar um relacionamento significativo, o dependente saia urgentemente em busca de outro, pela crença de que não é capaz de viver e lidar com a própria vida sozinho.

O objetivo central do tratamento é proporcionar maior autonomia, construindo ferramentas para que o paciente aumente a capacidade de agir independente dos outros, sendo capaz de desenvolver relacionamentos próximos, íntimos e saudável, trabalhando por meio das crenças que geram os pensamentos de que “não conseguem viver bem sozinhos”, “precisam de outras pessoas para serem felizes”, “devem agradar a todos o tempo todo para não serem abandonados” etc.  Uma das dificuldades no tratamento da Dependência Emocional é a falta de consciência do problema por parte da população e dos próprios profissionais de saúde, sendo comum que o indivíduo busque a psicoterapia após o fim de um relacionamento, com a finalidade de mudar seus comportamentos e consiga reatar o relacionamento. E além do fato de que quando o profissional de saúde não tem compreensão da gravidade do transtorno, a queixa é negligenciada ou amenizada e entendida como parte de qualquer relacionamento.  

Concluímos assim que o Transtorno de Personalidade Dependente é um transtorno grave, que traz serias consequências para a vida não só do dependente, mas para aqueles que estão a sua volta. Há características que evidenciam o problema, que não devem ser negligenciadas, mas encaminhadas para um profissional de saúde mental que possa realmente ajudar. O tratamento te ajudará a construir uma melhor relação consigo mesmo, permitindo estabelecer relações saudáveis, possibilitando que você seja sua melhor companhia, sendo independente emocionalmente e tomando as rédeas da própria vida, sem se submeter a relações que lhe causam sofrimento.

 

 

BUTION, Denise Catricala; Wechsler, Amanda Muglia - Dependência Emocional: Uma revisão sistemática de literatura – Londrina; 2016.

 

CASTELLÓ, Jorge – Analise do Conceito de “Dependência Emocional” – s.d

 

CARVALHO, Priscila; Dependência Emocional: aprenda a reconhece-la e como buscar ajuda – São Paulo – uol viva bem – 2020

 

ZANIN, Carla Rodrigues; VALERIO, Nelson Iguimar – Intervenção Cognitivo Comportamental em Transtorno da Personalidade Dependente: Relato de Caso – 2004

    

 

Comentários

  1. Parabéns pelo artigo! Dependência emocional é coisa séria e se percebida, é fundamental a procura de ajuda profissional

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